Blog do SINDICAR
Em todo o mundo, a proteção contra ameaças cibernéticas a infraestruturas críticas — ativos essenciais para a sociedade e para a economia, como o fornecimento de energia, por exemplo — ganha alta prioridade, inclusive no Brasil. Apesar disso, em quatro anos, o país caiu da 7 posição no Índice Global de Segurança Cibernética, da União Internacional de Telecomunicações, logo atrás da Noruega, para o 70 lugar.
Em mais uma disputa por protagonismo na pauta econômica em relação ao Palácio do Planalto, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), uniu-se a entidades patronais e de trabalhadores para apresentar uma proposta de emenda à constitucional (PEC) sobre a reforma sindical. A intenção se antecipar ao texto em elaboração pelo secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho (PSDB) — que, como deputado, foi o principal responsável pela reforma trabalhista de 2017, que acabou com a obrigatoriedade da contribuição sindical.
Marinho formou um grupo de juristas, economistas e técnicos do governo para elaborar uma proposta — inspirada no modelo americano de um “sindicato” por empresa — até o fim do ano e deixou de fora os sindicalistas.
Ainda não há consenso entre as centrais sobre o novo modelo a ser proposto, mas o fim da “unicidade sindical” (uma entidade por município ou região), antes rechaçado, já é aceito por algumas centrais. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) já defendia a mudança, embora suas bases resistiam. A Força Sindical, antes contrária, também mudou sua postura. A Nova Central Sindical de Trabalhadores - NCST se mantem firme na defesa da unicidade sindical.
As grandes confederações patronais, como a da Indústria (CNI), da Agropecuária (CNA), do Comércio (CNC) e dos Transportes (CNT), além de entidades como a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), enviaram representantes para a reunião com Maia e têm participado de discussões com os trabalhadores, mas também não têm uma posição fechada.
Uma proposta em discussão, apurou o Valor, é autorizar mais de um sindicato por cidade, mas só permitir que sentem à mesa de negociações, para firmar acordos coletivos, aqueles que tiverem um percentual mínimo — ainda não definido — de filiados em relação ao conjunto da categoria.
Um dos grandes objetivos das entidades é estabelecer formas de financiamento, que despencou desde o fim do imposto sindical obrigatório. Ainda há divergências, mas uma ideia é retomar o desconto na folha de empregados e o pagamento de uma taxa quando for fechado o acordo coletivo da categoria com o sindicato patronal.
O mundo passa por profundas transformações econômicas e políticas. A produção econômica muda com a globalizaçãodo domínio do capital financeiro sobre a propriedade das empresas e das reservas naturais. Aos investidores são oferecidos rápidos e crescentes retornos, que engordam a riqueza já extremamente concentrada.
Uma nova onda de mudanças tecnológicasintegra plataformas de produção de bens e serviçosem âmbito global e acelera as mudanças. A tecnologia substitui, em quantidades inimagináveis, a força de trabalho humana, desempregando e submetendo os trabalhadores à precarização, insegurança, ansiedade, pobreza, ao desespero e a outros tipos de mazelas ainda desconhecidas.
Na vida política, as democracias cada vez mais são entendidas pelo mercado como um mal necessário, a ser limitado. As instituições são sistematicamente fragilizadas, controladas e induzidas para resultados esperados pelo mercado; ospoderesExecutivo eLegislativo, submetidos ao controle do dinheiro, enquanto o Judiciário éanimado a ser o vigilante garantidor da propriedade, dos valores e direitos do capital. Há liberdade para consentir, há repressão se divergir e, se necessário, eliminam-se oposições. Apolíticase curva ao deus dinheiro.
Os meios de comunicação e as redes sociais espalham ideias, valores e induzem comportamentos. As classes médias,serviçais ideológicasdos ricos, exprimem o ódio aos pobres, negros, imigrantes e a todosos excluídos.
O Brasil se integrou plenamente neste jogo. Simultaneamente, realizam-se no país enormes transferências das riquezas naturais e empresas, estatais e privadas,ao capital internacional. Uma desnacionalização em magnitude desconhecida no mundo capitalista se opera em meses, esquartejando empresas, desprotegendo reservas naturais, abrindo espaço aéreo e marítimo, enfim, vendendo barato, cedendo, tudo feito para o bom e livre funcionamento do mercado. Silenciosa, essa operação de ataque ao país acontece enquantoparte da nação desconhece o que ocorre e aoutra olha atônita, sem acreditar no que vê.
Nesse movimento, a mudança constitucional, que colocou limites aos gastos públicos federais,promete deixar o estado reduzido à metade, em 20 anos, definindo por duas décadas o espaço fiscal da democracia e do voto!
O programa de desestatização é financiado com dinheiro público, por meio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). As imensas dividas das empresas com impostos são perdoadas. A grave crise econômica coloca os patrimônios produtivos à venda a preço de banana. Terras, minérios, água potável e florestasoferecidos a estrangeiros. Investidores, empresas privadas e estatais do mundo inteiro adquirem por precinho módico riquezas únicas!
Recentemente, em mais um lance ousado, Legislativo e Executivo transformaram profundamente a legislação trabalhista. A lei deixou de ser um sistema protetor dos trabalhadores para passar a proteger as empresas.
A reforma alterou a hierarquia normativa em que Constituição, legislação, convenções coletivas e acordos eram pisos progressivos de direito. A partir de agora, a Constituição passa a ser um teto, a legislação, uma referência de direitos que poderão ser reduzidos pelas convenções; os acordos poderão diminuir garantias previstas em leis e convenções e; o indivíduo poderá abrir mão de muito do que foi conquistado a duras penas. Os trabalhadores e os sindicatos“ganharam o livre direito” para reduzir salários, garantias, flexibilizar contratos, ampliar ou reduzir jornada, quitar definitivamente, na presença coercitiva do empregador,os direitos. O acesso dos trabalhadores à justiça foi limitado. Já as empresas ganharam inúmeros instrumentos que dão a máxima garantia e proteção jurídica e estão livres e seguras para ajustar o custo do trabalho.
São parte das mudançasvários novos contratos de trabalho (tempo parcial, trabalho temporário, trabalho intermitente, autônomo exclusivo, terceirizado sem limite, teletrabalho) que permitem ajustar o volume de trabalho à produção no dia, na semana, no mês, ao longo do ano. Esses contratos podem ter ampla flexibilização em termos de jornada (duração, intervalos, férias, banco de horas etc.). As definições do que é salário são alteradas e os valores podem ser reduzidos, assim como outrasobrigações legais. A demissão é facilitada, inclusive a coletiva, com formas diversas de quitação definitiva de débitos trabalhistas.
O poder de negociação dos sindicatos é fragilizado, com o “novo poder” de reduzir direitos, a interposição de comissões de representação dos trabalhadores,nas quais é proibida a participação sindical, ou com o empoderamento do indivíduo para negociar diretamente, medidas que, enfim, quebram o papel sindical de escudo coletivo e protetor. Como já ocorre em outros países que adotam mecanismos semelhantes, os trabalhadores serão incentivados e estimulados, por meio de inúmeras práticas antissindicais e de submissão patronal, a não apoiar ou financiar os sindicatos. Ficarão submetidos ao poder das empresas, pressionados para aceitar acordos espúrios diante do medo de perder o emprego.
A justiça do trabalho, que agora será paga, terá sua tarefa reduzida à análise formaldos pleitos. A lei criou uma tabela que precifica o ônus da empresa até, no máximo, 50 vezes o salário do trabalhador!
São mais de 300 alterações na legislação trabalhista operandoum verdadeiro ataque aos trabalhadores. A reforma trabalhista brasileira é um exemplo extremo, comparada a outras640 realizadas em 110 países entre2008 a 2014.
Mas a vida em sociedade tem caráter de um jogo em aberto, que exige fôlego para continuar permanentemente correndo e lutando para mudar o resultado.A história mostra que os oprimidos e derrotados constroem suas respostas, sempre!
Não há outro caminho que não seja o da resistência em todas as frentes. Será preciso unir os que discordam da maldade embutida nas reformas e na opção colonialista de entrega da soberania nacional.
Essa nova legislaçãoampliará os conflitos trabalhistas e, provavelmente, os sociais. E, depois de deflagrados, será difícil contê-los.
O projeto que sustenta essa reforma trabalhista é social e politicamente medíocre, porque desconsidera que o processo civilizatório, no capitalismo, significou a estruturação de um mercado regulado na produção e distribuição dos resultados por instituições fortes, diálogo social e organizações representativas.
Clemente Ganz Lúcio[1]
[1] Diretor técnico do DIEESE.
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